Cidade

Panc na City ou a vida que mora nos canteiros da rua

Conheça o passeio realizado por Neide Rigo
Amigos do Sao Paulo Saudavel
13 de junho de 2016

Bredo, chapéu de sol, maria gorda, chanana, malvavisco… Parecem os ingredientes de uma poção mágica de uma bruxa, mas são apenas nomes de PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais). Não deixam de ser também ingredientes de uma mistura especial que transforma o paladar dos adultos no de uma criança de um ano, descobrindo os sabores e as texturas da vida. Tudo isso desvendamos no passeio Panc na City, capitaneado pela nutricionista Neide Rigo, uma das maiores especialistas – senão a maior delas – em plantas comestíveis não convencionais do Brasil. Digo a maior pois, além de conhecê-las, ela também sabe prepará-las das formas mais exóticas e inusitadas possíveis, criando misturas que não deixam de ser uma poção mágica de sabores.

O passeio, na região da City Lapa, em São Paulo, área tombada pelo Patrimônio Histórico e que nos remete a uma São Paulo antiga, cheia de árvores, casinhas simpáticas e casarões com grandes quintais, acontece duas vezes ao mês, aos sábados e segundas. Tudo em meio a muito verde e a salvo da invasão de concreto dos monstruosos empreendimentos residenciais que dominam quase toda a cidade. Um alívio, um respiro, um refúgio. Difícil é conseguir uma vaga no passeio, prova de que não falta amor em São Paulo – pelo menos amor pelas plantas e pelo contato com a natureza!

Às 9h da manhã o grupo pequeno, de no máximo 10 pessoas, se encontra na casinha amarela sem portão, rodeada de plantas e flores, onde vive Neide. Tudo assim, bem simples e intimista, como antigamente. Somos recebidos com um largo sorriso e um convite para entrar. Chás que parecem saídos de revista de decoração, com flores e plantas, e águas aromatizadas nos aguardam. Provo um chá e me surpreendo com o sabor intenso e delicioso. Eu, que não sou de chá, me apaixono! Do que é feito, Neide? De capim limão e tagete. Oi? Como escreve? Preciso achar isso para comprar! Mas onde? Não existe. Muitas das Pancs ou você planta em casa ou acha eventualmente em feiras especiais, como as que vendem produtos orgânicos.

Neide em ação, mostrando as plantinhas

Neide em ação, mostrando as plantinhas

 

Neide ensinando a turma sobre as PANCs

Neide ensinando a turma sobre as PANCs

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Apesar de nascerem na rua, em canteiros ou qualquer frestinha, não são conhecidas nem valorizadas. São “mato”. Daí a importância do trabalho da Neide, que atrai inclusive chefs famosos, de mostrar às pessoas comuns, como eu e você, como podemos ter acesso a essa riqueza da natureza tão desconhecida.

Saímos da casa, não damos nem dois passos e, numa jardineira no meio da rua, daquelas que pisamos quando queremos atravessar ou que nosso cachorro faz suas necessidades, já encontramos mais de 10 tipos de plantas comestíveis. Todo mundo leva algumas mudinhas para plantar em casa. Comer as plantas que estão no chão pode ser arriscado, pois podem estar contaminadas por bactérias e outros dejetos. Ou você colhe e replanta, ou colhe e ferve, para matar os germes, antes de comer.

Provamos algumas que estão mais no alto. Uma florzinha inocente me adormece a boca de um jeito que nunca senti. Cada folha, flor ou castanha, um mundo. Manjericão que tem cheiro de cravo, plantas com cheiro de orégano, de anis estrelado e até de sauna. Gostos doces, azedos, ácidos e adstringentes. É a natureza se exibindo e nos surpreendendo.

Placa indicativa da Horta Comunitária City LapaPlaca indicativa da Horta Comunitária City Lapa

Placa indicativa da Horta Comunitária City LapaPlaca indicativa da Horta Comunitária City Lapa

 

Plaquinha na Horta Comunitária City Lapa

Plaquinha na Horta Comunitária City Lapa

 

Na esquina da rua, o grande orgulho da Neide. A Horta Comunitária City Lapa. Coisa mais linda e organizada, cheia de espécies que ela trouxe dos mais variados lugares, como a Amazônia. O local, em uma esquina, antes era um lixão a céu aberto e ponto de descarrego de trabalhos espirituais. Recuperado, serve a toda comunidade. Mas ainda assim é motivo de brigas. Há quem não goste do espaço e acredite que atraia traficantes. Não falta amor em SP, como prova Neide, falta amor no coração de algumas pessoas que moram em SP. Deixem as plantinhas em paz. Aprendam que a natureza estava aqui muito antes de vocês. Olhem ao redor, a vida não gira em torno do seu umbigo – desculpem o desabafo!

Na praça ao lado, como uma castanha do Maranhão e me surpreendo com a crocância e o sabor de algo tão exótico que estava ao meu lado em qualquer esquina verde e eu não sabia. Colhemos cogumelos judeu, assim, em um tronco qualquer. Quem poderia imaginar que haveria tantas coisas de comer em uma praça no meio da cidade?

Castanha do Maranhão achada em uma praça da City Lapa

Castanha do Maranhão achada em uma praça da City Lapa

 

Cogumelos judeu em um tronco qualquer da praça

Cogumelos judeu em um tronco qualquer da praça

Seguimos para uma outra praça, onde diversas árvores nos surpreendem. A Neide, sempre com seu cabo de madeira, sua pá e sua tesoura em mãos, colhe um palmito. Mamões verdes, hibiscos, trevos comestíveis e até pau Brasil encontramos pelo caminho… A chuva começa a cair, mas quem se importa? Estamos no meio do verde, e a água só vem coroar esse prazer e encher nossos pulmões com aquele cheirinho de planta molhada que tanto faz bem pra alma. Nas ruas adiante, encontramos as flores comestíveis. Três espécies, que provo sem pensar em “ah, tem que lavar”, “está contaminado e vou morrer”. Quem nunca comeu nada do pé, sem antes passar pela torneira, não sabe o que é viver.

Numa das principais avenidas da região, em um jardim de uma loja de móveis, achamos uma chanana e comemos ali mesmo. Um sabor doce, como o cheiro de uma rosa. Pelo espelho, a vendedora me olha e ri. “Vocês estão comendo flores?”, pergunta, surpresa. Sim! Eu também não sabia, mas existem muitas flores que podemos comer. Amo mais ainda as flores por isso.

A vida que nasce nas frestas de concreto: dente de leão comestível

A vida que nasce nas frestas de concreto: dente de leão comestível

 

Chanana, uma flor comestível achada no jardim de uma loja

Chanana, uma flor comestível achada no jardim de uma loja

 

Içá, um tipo de formiga comestível (come-se o “bumbum”)

Içá, um tipo de formiga comestível (come-se o “bumbum”)

Voltamos para a casinha linda, com sua cozinha aberta e aconchegante, cheia de objetos de significado. Nunca estive em uma casa com tanta personalidade. Sempre fui do minimalismo, mas na cozinha da Neide tudo é exposto, de fácil acesso, e objetos como livros, potes, panelas, facas, frutas e outros alimentos se espalham por todos os lados. E isso não sufoca nem torna o espaço bagunçado ou desarrumado. Pelo contrário, tudo ali parece confortável e agradável. Como disse ao meu marido, acho que é porque os objetos são mantidos com sentimento, e não como posses para se exibir ou dizer que se tem. Tudo ali tem sentido, tem afeto, tem carinho. E assim compõem uma das cozinhas mais incríveis que já conheci.

São servidos patês e pão feito ali mesmo, para começar. Em seguida, vem o tão esperado almoço. É tanta coisa nova que mal consigo me lembrar os nomes de tudo. Mas isso é o que menos importa. O que importa é a lembrança dos sabores, das cores e das texturas de tudo em minha boca. E os cheiros! Porque o paladar começa no nariz. Um dos almoços mais memoráveis da minha vida. Entre conversas variadas, todo mundo com o prato no colo, ao redor da mesa, desfrutando dessa imensa variedade que a natureza nos oferece e que a alquimia da cozinha da Neide transformou em pratos sem igual. A beleza, realmente, reside na simplicidade. Até içá (formiga) eu comi – que a Neide carinhosamente chama de BANCs (Bichos Alimentícios Não Convencionais) e inclui, entre outras coisas, larvas.

Entrada do almoço com pão caseiro e acompanhamentos

Entrada do almoço com pão caseiro e acompanhamentos

 

Alguns dos pratos de PANCs servidos na casa de Neide Rigo

Alguns dos pratos de PANCs servidos na casa de Neide Rigo

 

 

Sobremesa que parece gelatina: goma de tapioca, leite de coco, capim santo e coco fresco ralado

Sobremesa que parece gelatina: goma de tapioca, leite de coco, capim santo e coco fresco ralado

Para quem quiser, ela oferece levain, tibico, kombuchá e kefir de graça, como deve ser. Nada de vendas, como vemos por aí – tem gente que quer lucrar com tudo nesta vida. Uma pessoa incrível, uma segunda-feira inesquecível e uma certeza: preciso de um pedacinho de terra pra plantar as minhas PANCs! Todo mundo saiu com várias mudinhas, mas não tenho onde plantar tudo.

O homem, quem diria, quis tanto sair do campo para a cidade e agora tudo o que almeja é voltar pra casa.

Por Ana Sachs
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Email: ana_sachs@yahoo.com.br

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PANC na City
Quando:  toda primeira segunda-feira e todo primeiro sábado do mês.
Horário: das 9 às 16 horas.
Onde: no bairro City Lapa, em São Paulo.
Para mais informações: escreva para neide.rigo@gmail e coloque no assunto: pancnacity.

Para saber mais
Blog da Neide Rigo
Livro: Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC), dos autores Valdely Kinupp e Harri Lorenzi – dois dos maiores estudiosos de plantas no Brasil. Editora Plantarum, 768 páginas.
Horta Comunitária City Lapa: escreva para hortacitylapa@gmail.com