Exercício

100km: Para a minha mãe

Conheça essa história de superação
Amigos do Sao Paulo Saudavel
29 de fevereiro de 2016

Hoje chamamos nosso amigo Marcelo Massa pra contar de sua incrível e difícil jornada de laçar o tênis para correr 100K em homenagem a sua mãe e a luta dela contra o câncer. Acompanhem o relato abaixo:

Não sei bem por onde começar. Talvez ainda esteja movido pelo momento agudo da emoção e por este motivo as palavras podem não “sair” como habitualmente. Mas, de qualquer maneira, não quero deixar mais tempo passar e correr o risco de perder o traço do sentimento que vivo agora. Quando iniciei os treinamentos para esta jornada, minha mãe ainda estava viva, e a concepção dos 100km era em homenagem à luta dela contra o câncer. Agora, meses depois, ao concluída, posso dizer que tenho minha mãe transformada e cada vez mais forte dentro de mim, em cada passo da minha vida, sempre.

A semana anterior ao “The Ultimate Massa’s Race – 100km – In Honor of Mom” foi muito intensa. Tive que ponderar as atividades profissionais junto à USP com todos os ajustes, articulação de pessoas e de materiais para a organização logística e planejamento do “Dia da Prova”. Isso me manteve bastante ocupado, não deixando espaço para ansiedades desmedidas. Portanto, apesar de intensa, posso dizer que foi uma semana serena, extremamente produtiva no trabalho e feliz junto aos amigos que me ajudavam nesta organização.

Ainda na 6ª feira, junto do meu filho (João Pedro, de 13 anos), fomos para Juquehy, rumo à nossa base de apoio na casa do Felipe Tambasco, onde mais tarde, além dele, chegariam Roger, Marcola, Rodolfo e Piva – formando o primeiro pelotão de apoio e já organizando a geladeira e o carro com os recursos que utilizaríamos na corrida. Neste momento a energia e a emoção já era presente em todos. Posso dizer que meu sentimento transbordava e ia muito além de mim. Na verdade eu me sentia muito maior e muito mais forte, pois parecia nitidamente que a “força” de todas aquelas pessoas estava comigo. Parecia que todos iriam “correr”!

Nos preparamos para dormir cedo, principalmente eu e o Marcola que literalmente iríamos correr os 100km — minha previsão era algo entre 13h e 15h de corrida. Nossa alvorada estava marcada para 3h30 da manhã e a largada prevista para 5h. Logo despertei e de imediato saí gentilmente gritando pela casa, batendo nas portas dos quartos e acordando essa cambada de malucos!

A largada se deu próxima ao Condomínio Hanga Roa (Bertioga), de onde correríamos os primeiros 30km em direção ao Posto Policial que fica no início da Rodovia Rio-Santos. Saltamos do carro, nos abraçamos e com toda naturalidade demos start em nossos relógios e saímos – 5h05 da manhã, eu e Marcola asfalto adentro. Neste horário ouvia-se o barulho dos nossos passos na estrada, o clima fresco e o céu ainda escuro, desvelado apenas pela pequena iluminação da lanterninha que o Marcola carregava à cabeça, providencialmente abrindo nosso caminho. O Law se juntou a nós por volta do Km20 e desde então seríamos os três correndo até o final. Este trecho inicial de 30km ocorreu dentro do previsto e de forma bastante tranquila. O Carro de Apoio nos aguardava sempre a cada 6km, disponível para qualquer necessidade, e fizemos pausas relativamente rápidas apenas para hidratar e ingerir carboidratos. No Km30, já no retorno do Posto Policial que fica no início da Rodovia Rio-Santos, conforme programado, fizemos uma pausa maior: alongamos, passamos protetor solar, comemos purê de batata com azeite e sal e trocamos de roupas – eu troquei também o par de tênis.

Este trecho inicial de 30km, guardou subidas e descidas entre morros, deixando claro que chegar na marca de 60km envolveria retornar pela estrada e suportar novamente os mesmos aclives e declives desafiados nos 30km inicias, porém com o desgaste já acumulado. Pensando nisso, como estratégia, em alguns trechos deste percurso de volta, procurei intercalar a corrida contínua com períodos de caminhada acelerada, sobretudo nas subidas. Porém, antes do que eu desejava – já entre o km45 e o km60 – comecei a sentir um grande desconforto e também muitas dores nas costas e na face lateral esquerda do meu pé direito, já dificultando a mecânica natural das minhas passadas. O Marcola, com seu spray analgésico, borrifava doses de spray nas minhas costas mesmo enquanto corríamos, buscando atenuar a dor. Nas pausas para água e gel procurava observar meu pé, mas naquela altura não identificava nenhum sinal de inchaço ou mesmo de vermelhidão, embora bolhas já surgissem nos dedinhos de ambos os pés. Foi perceptível que nestes primeiros 60km, embora hidratando regularmente a cada 6km, perdi muito líquido que escorria por entre as meias de compressão, acumulando o suor nos pés e fazendo-os escorregar na palmilha do tênis. Foi quando troquei as meias por outras mais resistentes ao suor e novamente troquei um outro par de tênis.

Amigos que desceram apenas para se juntar a nós correndo um trecho, apareceram justamente neste momento, entre o km45 e o km60. Silenciosamente, a pergunta que pairava no ar e assombrava a mente de todos era: não é cedo para estar mal? Quebrando o silêncio e a tensão do momento o Roger logo lembrou: “Bóra, é normal oscilar numa prova longa, vamos que vamos! Logo você melhora e a coisa volta a fluir!”. Oras, aquela altura admito que eu não sabia identificar com clareza se seria apenas uma oscilação ou algo que se faria permanente, porém a palavra de ordem do Roger e o apoio de toda galera foi fundamental para que eu programasse a minha mente e meu corpo para encarar aquilo como “oscilação apenas”, e, mais que isso, naquele momento reforcei também a minha cabeça para resistir ao que fosse e ao que estivesse por vir. Sem presunção, tinha certeza que chegaria aos 100km.

Deste trecho em diante, quando perguntado sobre “como você está se sentindo?” eu apenas respondia a verdade: “está doendo pra cacete, mas vou até o fim!”. Gostei muito de perceber em mim esta força e segurança. Diante da dor, além da experiência acumulada ao longo das provas de Ironman que participei e que me ajudou muito neste desafio, precisei criar e utilizar componentes psicológicos extremamente fortes para resistir ao extremo de correr 100km. Desde sempre eu já dizia a quem me perguntava durante os treinamentos que seria mais complicado que o Iron: correr 100km não é igual a 2 vezes 50km – o desgaste é muito grande! Manter médias por km e planos rígidos pode ser uma armadilha destrutiva e colocar em risco as chances de conquista. Eu estava preparado para planos A, B, C…e o que fosse necessário – tudo que eu precisava estava dentro de mim!

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Daí por diante (dos 60km pra frente), entre todas as dores, meu pé realmente começou a “ir pro vinagre” (não conseguia manter a mecânica sem que doesse muito). Desta forma, passei a intercalar momentos apenas razoáveis de corrida com outros momentos muito difíceis de caminhada, mas em passo ainda bem acelerado – o que chamava atenção do Marcola, pois para me acompanhar ele e o Law tinham que correr ao meu lado. Neste trecho, o Cássio e depois o Kako me ajudaram muito neste trabalho intervalado (correr e caminhar), também correndo ao nosso lado e estipulando metas na estrada. Por exemplo: “agora vamos correndo desta placa até aquela 6ª placa à frente”. E assim fomos pelo menos até o km80.

Do km80 em diante, já próximo de Boracéia, não conseguia correr. Mais que isso, comecei a perceber que meu pé realmente seria um obstáculo cada vez maior a ser superado. Não apenas correr era difícil, mas também não conseguia mais andar em passo muito acelerado. Passei a dosar bastante a corrida e a privilegiar muito mais a caminhada. E mesmo com todas as dificuldades, não havia espaço nenhum para sofrimento, éramos todos apenas alegria o tempo todo — o Marcola ainda cantarolava músicas pelo caminho! Me mantive focado e confiante e, para minha emoção, o João (meu filho) também se juntou ao grupo que a essa altura corria pela estrada já noite a dentro.

Passamos a Juréia e logo veio a Barra do Una (km 92.6). Reta final! Subida pesada à frente, seguida de uma descida considerável até a chegada no Portal de Juquehy (km 99). Muito feliz, a galera toda reunida! Já éramos um pelotão na estrada e mais a outra parte da galera reunida na entrada de Juquehy esperando para correr o ultimo quilômetro ao meu lado. Muita emoção! Entramos pelas ruas de Juquehy, eu de mãos dadas com o João, e todos seguimos juntos correndo até a casa do Felipe Tambasco. 100km (tempo: – líquido: 13h; – bruto: 15h)! Nos abraçamos muito! Muita emoção!

Foram 100km!!!!!

Tenho comigo que quem faz as coisas com o coragem, preza pela família, estima os amigos e é querido por eles, tem tudo nesta vida! Não tenho como expressar o tamanho da minha gratidão, da minha emoção e da minha felicidade neste depoimento. Posso apenas dizer que tenho amigos maravilhosos que estiveram comigo, construindo esta data inesquecível para minha vida e de meu filho! Muitos amigos e pessoas que me acompanharam e torceram mesmo a distância contribuíram também com esta jornada – inclusive através da fanpage “Corridas acabam, correr não”.

Em nome do meu pai que de sua casa esteve conectado a mim e em nome da minha mãe que nos acompanhou “do andar de cima” agradeço a todos! Todos estamos muito felizes!

Agradeço especialmente: a meu Pai, meu filho João Pedro, meus irmãos de coração Roger Haybitlle e família, Felipe Tambasco e família, Fernando Piva, Rodolfo Ferraciolli Bezerra, Felipe Carneiro, Victor Carmagnani, Marcelo Costa, Daniel Kako, Cássio e Andréa Meira Júnior, Alan Haybittle e família, Mauro e Gigia, Dede e Bub´s Medeiros, Odair Prata, Ana Lúcia Cardoso, Amauri Oliveira, Érico Caperuto, Roberta Baroni, Bea e Thiago Kafejian, Dr. Milton Mizumoto, Dr. Cláudio Gattás, Kim Cordeiro, Edson Fusca, Valéria Luppi, Andressa Carolina, Rosa e Ben. Ainda destaco os queridos amigos e ultramaratonistas que foram verdadeiros anjos correndo ao meu lado – Law e Marcola, obrigado por tudo! Vocês são demais!

Agradeço também a meus apoiadores, sem os quais esta jornada seria muito mais difícil: K-Swiss Brasil, Viral Taste, Odair Prata Assessoria Esportiva, Amauri Oliveira, Kairos Fisioterapia e BkSports.

Abraço forte!

E lembrem-se: Corridas acabam, correr não!

Marcelo Massa