Exercício

Pernas de Aluguel

A emoção da corrida para todos!
Letícia Genesini
03 de março de 2016

Se você corre há um certo tempo as provas de rua de São Paulo, já deve ter visto essa cena: uma festa na linha de chegada, com corredores de todos os portes e crianças cadeirantes que se abraçam entre sorrisos e balões coloridos. É o Pernas de Aluguel, uma iniciativa que emociona muitos, mas poucos conhecem sua história.

Tudo começou com Eduardo de Godoy. Engenheiro e gastrônomo, Edu é como muitos, que entrou na corrida e se apaixonou por seu poder transformador (não adianta explicar, precisa correr para sentir). Mas o que ele criou a partir disso, poucos fizeram.

Voluntário há 14 anos do Rainha da Paz (Santana do Parnaíba), seu trabalho com crianças e adolescentes com deficiências múltiplas antecede em muito sua relação com a corrida. Mas algo se conectou quando ele se deparou com a história do Dick Hoyt e seu filho Rick Hoyt. Rick nasceu com paralisia cerebral devido a complicações no parto, mas isso não impediu o rapaz de se tornar um aficionado por esportes. Seu pai, sabendo dessa paixão, e determinado a provar as possibilidades que a vida oferecia a seu filho apesar da paralisia, propôs, aos 36 anos e sem nunca ter feito provas de corrida de rua, que os dois completassem juntos uma prova de 5milhas. Hoje a dupla já cruzou mais de 1.000 linhas de chegada, incluindo 72 maratonas e 6 IronMan. Depois de conhecer,  e se emocionar com essa história, Edu sabia que tinha algo mais a oferecer, e criou o Pernas de Aluguel.

Ter a ideia levou coragem, executá-la, persistência. Para começar, Edu precisava de um triciclo adaptado a corridas e, o que ele pensou que seria o empecilho maior, dinheiro para conseguí-lo. À revelia, o apoio financeiro veio rápido, mas levou um ano e meio para ele achar quem pudesse executar o projeto de engenharia. Isso só aconteceu com as indicações de Dani Nobile (que já contamos um pouco da história aqui), que ele conheceu numa meia maratona da Asics Golden 4 em que ela foi campeã na categoria de cadeirante. Desde então, Dani, é madrinha do projeto.

Com triciclo em mãos, a primeira corrida do Pernas aconteceu em 02/11/14, sem modéstias, na meia maratona do circuito Athenas (porque se é pra fazer, vamos fazer direito!). O time do Pernas contou com seis cadeirantes: um do Rainha da Paz, e os demais filhos de pais corredores que abraçaram a ideia de Edu. Agora, por que apenas uma criança do Rainha da Paz?

Não, não é o triciclo. Até hoje o desafio maior do Pernas não é conseguir o dinheiro para o triciclo, ele virou o símbolo da alegria da linha de chegada, e empresas às vezes até os doam. O problema, como sempre, está no trabalho que ninguém presencia. As crianças do Rainha da Paz moram em endereços que não aparecem no Waze. Para levá-las até uma corrida que tem sua largada às 7h, o motorista inicia seu percurso às 3h da manhã, horário que muitos pais não querem acordar nem  mesmo para vestir os filhos. A kombi adaptada para o transporte também só consegue levar com segurança duas crianças. Ela é fornecida pelo Rainha da Paz, mas os encargos do motorista, pedágio, estacionamento ficam por conta de Edu. E no final, são quase R$1.000 para levar apenas duas crianças (enquanto um triciclo custa R$2.000).

Além de recursos financeiros para toda essa logística, o Pernas precisa de pessoas. Hoje são mais de mil atletas cadastrados que colaboram e correm com o movimento, e cruzam a linha de chegada – mas faltam pessoas para os momentos inglórios. Para as viagens de carro de madrugada, e para, de alguma forma, agregar as famílias que vivem numa realidade muito diferente do calendário de corrida de rua paulistano.

Mas mesmo com todos esses empecilhos e dificuldades, Edu garante que até hoje se emociona. “O Pernas não é só uma corrida, ele está proporcionando muito mais coisas além corrida. Irmãos voltam a se falar, pessoas começam a correr só para participar…”. Como ele mesmo diz, e como todo corredor bem sabe, a corrida é um fechamento de algo muito maior.

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NOSSA HISTÓRIA COM O PERNAS

Neste final de semana, pela primeira vez tivemos o prazer de conhecer e participar de uma corrida com o Pernas, e podemos garantir que é uma experiência enriquecedora e inesquecível.

Nos encontramos 1h30 antes da largada para conhecer as crianças, os outros voluntários, e receber informações sobre os procedimentos a serem seguidos durante a prova. Éramos aproximadamente 25 voluntários para levar cinco crianças de diversas faixas etárias/condições físicas e logo nos entrosamos e fizemos mil e uma brincadeiras com elas.

É tudo muito organizado e a segurança e diversão das crianças vem em primeiro lugar! Não há nenhuma pré-determinação de quem corre com quem ou quem empurra quem. Isso acontece naturalmente ao longo dos quilômetros. Há quem não se adapte em conduzir o triciclo, há quem prefira ajudar na logística da corrida (os chamados batedores – que abrem espaço para o cadeirante). Há quem grita mais, há quem não emite um som, há quem não faz ideia do que está fazendo acordando cedo para correr… O importante é a diversão, a segurança dos atletas, sua e dos outros participantes da corrida.

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Se você é daqueles ultramaratonistas, triatletas e que corre 42km para se aquecer, que amarre seus dois pés um ao outro não deixando mais do que 5cm de folga nos cadarços – essa corrida realmente não é para bater o seu recorde pessoal. Vamos todos juntos na velocidade do corredor mais lento, muitas vezes parando para auxiliar as crianças e aguardando os retardatários.

Cada quilômetro percorrido é uma vitória, recheado de alegria contagiante. As crianças ficam em êxtase, enquanto todos os corredores que passam aplaudem e motivam o grupo a continuar forte, para chegar no final e proporcionar uma nova e incrível experiência às crianças. “Vai pernas!” é o grito de guerra.

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Ao final da corrida, quando já éramos uma grande família, veio a surpresa maior – nos últimos 10 metros antes da linha de chegada, paramos todos, tiramos as crianças de suas respectivas cadeiras e as auxiliamos para que possam cruzar a linha de chegada “correndo”. É tão emocionante que fica difícil expressar em palavras.

Como disse um grande amigo, correr pode ser a superação na distância, no tempo pessoal, nas metas de cada um, entre outros… mas o verdadeiro sentido de correr é doação. É ver que através de suas pernas, que em um lapso de tempo deixam de ser suas, alguém consegue sorrir por ter conseguido a meta pessoal – a meta que não é o tempo nem a distância, mas sim, sorrir, e no final de tudo, ficar em pé!

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Experiência que deve ser vivenciada por todo corredor, pelo menos uma vez na vida. A próxima corrida do Pernas já é no dia 13/03, no Circuito das Estações — nós participamos novamente!

E quer um conselho? Vá. Vá, e corra, mas não pare por aí. Como Edu fez ao conhecer o Team Hoyt, se emocione, mas descubra o que você também pode oferecer a partir dessa emoção, nem que seja sair por aí contando para todo mundo. E lembre-se do lema do Pernas de Aluguel: “é obrigatório se divertir”!

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Vai perder essa oportunidade de fazer uma boa ação? Veja como participar do Pernas de Aluguel:
1. Cadastre-se no site do Pernas de Aluguel.
2. Consulte o calendário de provas que eles participarão e escolha a prova
3. Inscreva-se na prova (nada de pipoca). A inscrição pode ser feita ou através dos Pernas, ou do modo usual.
4. Com o número de inscrição da prova em mãos, confirme no site do Pernas sua presença. Se é a primeira vez que você corre com eles você deverá comprar a camiseta do Pernas (R$45). Neste momento você também pode fazer uma doação se desejar.
5. Calce os tênis e vá com muita energia fazer o dia de alguém mais feliz!

 

Artigo escrito a quatro mãos por Marianne Meni e Letícia Genesini.