Letícia Genesini
25 de outubro de 2016

Para quem acha que o mundo da moda não é nada mais que egocentrismo, luxo e consumismo, pode bem se atualizar. Cada vez mais descobrimos empresas que além de trazer beleza para o mundo, também trazem propósito. É o caso da Insecta Shoes e Comas, que já falamos aqui. Mas mesmo com tanto player interessante por aí, a gente ainda foi capas de se surpreender com a PanoSocial.

Além de usar matérias primas sustentáveis — 100% Algodão Orgânico, Pigmentos Naturais, 100% PET Reciclado, Algodão Reciclado —, assim como seus processos produtivos — reciclagem têxtil e up cycling —, a empresa tem uma exigência importante na contratação de seus colaboradores para a confecção de suas peças: são exclusivamente egressos do sistema prisional. “A ideia da construção de negócio social, surgiu pouco depois da minha chegada da Austria no Brasil, quando morava no baixo augusta em São Paulo. Viver no centro desta metrópole provocou uma mudança significativa em mim”, conta Gerfried Gaulhofer, sócio-fundador da PanoSocial.

O que isso tem a ver com você? Em São Paulo quase 70% dos crimes são cometidos por ex-detentos, e antes que alguém fale que o problema é a impunidade vale a pena lembrar que o Brasil tem a terceira maior população cárcere do mundo, e aquela que cresce mais rápido. Esses dados vocês já devem até ter lido por aí, mas um que passa em silêncio é que apenas 9% dos egressos conseguem reentrar no mercado de trabalho.

E o que isso tem a ver com moda? Não vamos esquecer que aquela roupinha tão barata que para nós é quase descartável custa tão pouco por que seu sistema produtivo se dá ao luxo de ignorar o impacto ambiental e social de sua matéria prima e sistema produtivo, resultando em salários baixíssimo (quando não são situações de escravidão) e a consolidação da moda como a segunda maior indústria responsável pelo impacto ambiantal (perdendo apenas para a indústria petrolífera). Assim, o que perceberam os fundadores da PanoSocial que o mercado de moda e o consumior são cúmplices — diretos ou indiretamente, conscientes ou sem consciência – na manutenção de um sistema a beira de um ataque de nervos.

“Hoje, a maioria dos consumidores não tem consciência sobre o impacto negativo que podem causar pelo consumo. Aqueles que procuram produtos baratos, sem consciência sobre a mão de obra que esta por traz dos valores baixos. Sem conhecimento sobre onde foi produzido e se o produto eventualmente prejudicou uma empresa nacional. Como vimos nos últimos anos, por exemplo no ramo têxtil e muitos outros, com a abertura do mercado chinês. Tudo isto tem como consequência um aumento do desemprego e da violência”, continua Gerfried Gaulhofer.

O tecido plano para confecção de ecobags, aventais, parte da produção de uniformes, coletes e outros produtos da PanoSocial vem de algodão orgânico, proveniente de uma cooperativa de agricultura familiar do nordeste certificada pelo IBD, orgânica e de comércio justo. A matéria-prima nacional, porém é limitada, assim a malha orgânica para camisetas é confeccionada com fio orgânico Indiano com produção fair-trade certificado pelo GOTS. A importação não é a opção ideal, eles admitem, mas decidem não abrir mão de conscientizar os consumidores sobre os impactos causados pela cultura do algodão convencional.

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A gente vai falar do algodão em um artigo só sobre isso, mas já adiantamos que a cultura do algodão convencional representa 3% da agricultura mundial, mas consome 25% de todo agrotóxico usado no mundo. Além disso, para produzir 1 kg de tecido de algodão convencional são gastos 11 mil litros de água. Em sua curta história, a PanoSocial produziu a volta de 30 mil produtos, entre camisetas, ecobags e aventais, o que é equivalente a 6,6 Toneladas de tecido orgânico — ou seja, uma economia de 65.340.000 litros de água.

As peças são produzidas para grife própria, assim como outras marcas, artistas, designers e pequenas marcas ou séries limitadas. Hoje o maior cliente, e investidor desta causa, é o Greenpeace Brasil. E não é apenas na mesa de costura que a PanoSocial emprega os egressos do sistema criminal — eles encontram emprego como relações publicas, ajudante geral, assistente social, trabalhando desde a produção ao show room da empresa.

A PanoSocial recebe investimento da Bemtevi para operacionalizar sua produção, e todo seu lucro é reinvestido no negócio para aumentar o impacto social e ambiental positivo de modo crescente.

E aí? Vamos vestir essa camisa?