Letícia Genesini
26 de abril de 2016

Este mês o Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana comemorou 10 anos de jornada e conquistas no seu trabalho pelo fim da publicidade infantil e por uma infância livre de consumismo. Para comemorar a data o projeto lança o livro “Criança e Consumo: 10 anos de transformação” para celebrar o que já passou, reafirmar os propósitos e trilhar o que ainda há por fazer.

Antes mesmo de existir de fato, o Projeto Criança e Consumo nasce no trabalho e angústias de Ana Lucia Vilella, educadora, presidente e cofundadora do Instituto Alana. Ao começar a lecionar em escolas tanto públicas e privadas, no final dos anos 90, Ana Lúcia logo percebeu o impacto negativo que a publicidade dirigida às crianças causava: uma profunda insatisfação. Mesmo nos dois extremos do espectro social o estímulo era sentido da mesma forma, uma vez que não se trata de um querer de um objeto em si, mas da criação de um estado ‘desejante’. “Não é o produto, é a condição constante de querer algo”, como reforçou em entrevista a advogada e coordenadora do Projeto Isabella Henriques.

A inquietação era pessoal, mas a necessidade que fez nascer este trabalho era comum a todos. Em 2004, ano de fundação do Instituto Alana, o tempo médio que uma criança passava em frente a TV era de 5horas, mais do que a carga horária escolar. Já em 2006, quando nasce o Projeto Criança e Consumo, foram gastos R$210milhões com publicidade voltada ao público infantil. Como aponta a própria Ana Lucia “Os temas discutidos pelo Criança e Consumo são tão grandiosos que, se não fosse o Instituto Alana, outras pessoas fariam o mesmo, porque tinha de acontecer”.

Assim que essa chama instigante nasceu, Ana Lucia conheceu em 2006, a CCFC (Campaign For a Commercial-Free Childhood). A organização fundada pela psicóloga americana Susan Linn foi uma das grandes inspirações para o desenvolvimento do Projeto e é hoje uma grande organização parceira. Em seu trabalho de resistência ao marketing infantil Susan fortemente retoma uma importante questão: o papel essencial da criatividade e da imaginação para a criança, algo que tende a desaparecer quando grandes empresas propõe um entretenimento padrão a todos. “Brinquedos e brincadeiras estão dominados pelas grandes corporações, que não tem interesse em preservar o tempo de desenvolvimento das crianças nem a cultura de cada lugar. Essa padronização ao redor do mundo é preocupante.” ressalta Linn sobre, como ela mesma coloca, a erosão da brincadeira criativa.

02sao paulo saudavel crianca

Para tratar de uma questão assim complexa e sistêmica, a co-criação e a multidisciplinaridade desde o início fizeram parte do Projeto, que reuniu um time de consultores de diversas áreas. Além disso, o próprio Criança e Consumo atua em diversas frentes — jurídica, relações governamentais, educação, comunicação, mobilização e pesquisa — articulando a questão tanto entre a população, gerando e conscientização, quanto no plano legal. E por mais que ainda haja muito trabalho a ser feito, há muitas conquistas para serem comemoradas, a mais recente aconteceu a menos de dois meses. Em uma decisão histórica o STJ lançou uma sentença referente a um julgamento da campanha publicitária “A Hora do Shrek” de 2007 da Bauducco proibindo a publicidade dirigida às crianças. O ministro Humberto Martins, relator do recurso, destacou “Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais. E nenhuma empresa comercial e nem mesmo outras que não tenham interesse comercial direto, têm o direito constitucional ou legal assegurado de tolher a autoridade e bom senso dos pais. Este acórdão recoloca a autoridade nos pais”.

Um precedente sem igual para que outros venham a ter a mesma compreensão da lei. E o melhor, a sentença saiu em um momento propício, não apenas pelos 10 anos do Projeto, mas 2 semanas antes da Páscoa. Parabéns, Projeto Criança e Consumo! Que venham outras décadas e outros muitos motivos para comemorar.

Você tem uma denúncia para o Projeto Criança e Consumo? Contribua em: http://criancaeconsumo.org.br/denuncie/

 



leia mais sobre consumo conscienteinfância